Para além do roteiro, a reflexão que proponho é sobre a sustentação de um semblante. O que a psicanálise pode oferecer a um sujeito que durante anos atua? No filme, longe de um tratamento convencional psicanalítico, ocorre o que poderíamos denominar de possibilidades de transmissão da psicanálise fora de um setting analítico e de um tratamento propriamente dito. Há algo de uma captação do sujeito que se aproxima de um saber analítico.
O
personagem de Michel Piccoli nos permite questionar como o ser humano é capaz
de sustentar um semblante por anos. O papa é nada mais nada menos que aquele
que se comunica com Deus. Para os sem questões, um semblante pode se manter e
consistir. Porém, o personagem nos revela sobre a impossibilidade de ocupar
esse lugar tão poderoso. A psicanálise entra no filme como um agente limitador
por um lado e libertador por outro. O limite alivia.
Com
dificuldades e dramas, o eleito a ser papa consegue falar. Falar justamente que
o semblant caiu. Ele expressa seu limite. Marca a diferença entre ser ator e atuar
na vida. A queda do semblant pode ser um dos efeitos de uma análise. Um sujeito
não sai ileso de um processo analítico. Ele pode até continuar com seu sintoma,
mas se responsabilizará como pode por ele.
A psicanálise
como área do saber, entra no filme, ou seja, na cultura e oferece algo ao
sujeito. A possibilidade de ser mais ético com o desejo. O sujeito que atua, pode
estar desprovido de saber de si. Pode não saber do seu próprio desejo. Ele
deixa de ser genuíno. A psicanálise toca o singular de cada um, o que cada um
tem de único! Não dá para sair ileso deste fato.
Olá Liz! Descobri seu blog por acaso, pois sou interessada nas questões lacanianas (faço análise com um analista lacaniano há 5 anos) e, a partir das suas observações em relação ao filme, fui assistir Habemus Papam. Eu já tinha visto do Nanni Moretti "O quarto do filho" e gostei muito da nova obra do diretor e das suas considerações sobre a psicanálise nele. Achei interessante o papa ser eleito e apresentar a crise justamente no momento de representar o papel que ele vinha representando em escala menor já, mas não pôde mais diante de uma multidão e diante do peso de vestir as vestimentas (literal e metaforicamente falando) de um papa. Eis que ele descobre que desejou sempre ser ator. Ele não passou por um processo psicanalítico tradicional, mas de certa forma, se libertou de sua máscara, você não acha?! Minha pergunta é: seria possível alguém se libertar do desejo "do outro" e ir ao encontro íntimo e profundo de seus desejos verdadeiros não estando em processo analítico? Grande abraço.
ResponderExcluirOi! Não sei seu nome, mas pelo seu comentário, fica explìcito que está causada pela psicanálise.
ExcluirVou te responder algo breve. Sua questão me parece ter mais relação com o seu tratamento psicanalítico.
O desejo, é evanescente. Ou seja, não pegamos, não vimos. Chegamos perto dele e ele some. O que queremos de fato?
O desejo não é nem verdadeiro, nem falso. É algo da ordem de um saber inconsciente sobre o que nos causa. Qual é sua causa?
O outro é motivo de angústia sempre. Queremos ser amados, desejados. Nos aprisionamos neste circuito do engodo amoroso.
O processo analítico não é fácil. É caro, custoso, muitas vezes doloroso.
Porém, exige do analisante uma posição á respeito do quanto um sujeito pode se responsabilizar pelo seu gozo e do quanto ele pode sustentar seu desejo.
A psicanálise é da ordem de uma ética e não de uma moral.
A verdade existe na condição de semi-dito. Da mesma forma que não há uma verdade absoluta, não há um desejo absoluto...
Olá Liz! Obrigada pela resposta. Meu nome é Laís. Gostei do que escreveu, assim como gosto do que você posta no seu blog. Continuarei acompanhando. Grande abraço!
ExcluirOi Laís!
ResponderExcluirQue bom que gostou, que gosta.
Sua questão me causou e isso foi muito bom também.
Em breve escreverei um post baseado na sua questão.
Até, Liz.